O que é a realidade e o que nós usamos para definir isso? A resposta pode parecer simples: a realidade é o que conseguimos sentir, ver, tocar, ouvir, cheirar, degustar. Isso porque nós usamos os nossos sentidos para compreender o mundo que nos cerca.
A pessoa de quem a mão eu acabei de apertar deve existir, já que eu senti a textura e o calor da sua pele, consigo vê-la na minha frente e ouvi-la me comprimentando. Da mesma maneira, ao comer um pedaço de melancia entendemos que ele existe porque conseguimos sentir o gosto doce na boca e o suco escorrendo pelos dedos.
Quando nossos sentidos não dão conta de absorver o que nos cerca, preenchemos as lacunas da realidade com o raciocínio e o conhecimento. À noite, sabemos que o sol não deixou de existir simplesmente porque não está aparecendo. Assim como entendemos que alguém não desaparece simplesmente porque desligamos o telefone e deixamos de ouvir a sua voz.
No entanto, o psicólogo comportamental e escritor Donald Hoffman acredita que não compreendemos direito a nossa relação com a realidade objetiva. Ele defende que, para nos proteger, a evolução nos envolveu em uma realidade virtual perceptiva.
Realidades objetiva e subjetiva
Em um edição recente da revista “New Scientist”, Hoffman discute esse tema no arigo “A realidade é real? Como a evolução nos cega para a verdade sobre o mundo”. Professor do departamento de Ciências Cognitivas da Universidade da Califórnia, Irvine, ele estuda consciência, percepção visual e psicologia evolucionária usando modelos matemáticos e experimentos psicossociais.
“Enquanto estamos vivos […], nossas experiências conscientes constituem um tipo diferente de realidade, uma realidade subjetiva. Minha experiência de uma enxaqueca pesada é certamente real para mim, mas ela não existiria se eu não existisse”, escreve.
O pesquisador explica que a relação entre o mundo dentro e fora da nossa mente – a realidade objetiva e subjetiva – se baseia em acreditarmos que a primeira não muda em função da segunda. “Minha experiência visual de uma cereja vermelha se desvanece para uma experiência de cinza quando fecho meus olhos. A realidade objetiva, presumo, também não se desvanece em cinza”. Nós asumimos que, já que estamos vendo uma cereja, ela é real, sua cor coincide com a experiência que estamos tendo e ela continua a existir quando deixamos de olhar para ela.
No entanto, segundo o pesquisador, ainda que essa suposição seja fundamental para a maneira como pensamos sobre nós mesmos e o mundo, experimentos feitos por ele e seus colegas mostram que ela não é válida. Ou seja, a nossa percepção sensorial, desenvolvida pela evolução, pode estar fazendo com que entendamos a realidade de maneira errada. “Isso leva a uma conclusão louca, de que todos nós podemos ser tomados por uma ilusão coletiva sobre a natureza do mundo material”, afirma o especialista.
A ideia de que nós não conseguimos perceber a realidade objetiva em sua totalidade não é nova. Ao mesmo tempo que todos têm seus próprios vieses cognitivos e mecanismos de defesa do ego, nossos sentidos podem ser enganados – seja por ilusionistas ou por miragens. Além disso, para cada pessoa que enxerga o vestido azul, outra o enxerga dourado.
A hipótese de Hoffman, no entanto, leva isso mais longe, afirmando que nossas percepções não se aproximam nem um pouco da realidade. Na verdade, a evolução teria nos dado uma ilusão coletiva para melhorar nossas adequações.
Usando a teoria dos jogos evolutiva, o grupo de pesquisadores criou simulações de computador para observar como as “estratégias da verdade” (que vêem a realidade objetiva como ela é) em comparação com as “estratégias de recompensa” (que se concentram no valor da sobrevivência).
Nas simulações, os organismos estão em um ambiente com um recurso necessário à sobrevivência, mas seguindo o princípio de Cachinhos Dourados. Na história infantil, uma garotinha chamada Cachinhos Dourados prova três pratos diferentes de mingau: um quente demais, um frio demais e um nem frio, nem quente demais, mas na temperatura ideal.
Podemos pensar, por exemplo, na água seguindo esse mesmo princípio. Com água demais, o organismo se afoga. Com pouca água, morre de sede. Entre esses extremos, o organismo sacia sua sede e vive.
Os organismos da estratégia da verdade, que enxergam o nível da água em uma escala de cores – de vermelho, para um nível baixo, até o verde, para um nível alto alto – vêem a realidade do nível da água. No entanto, eles não sabem se o nível da água é alto o suficiente para matá-los. Os organismos da estratégias de recompensa, por outro lado, simplesmente vêem vermelho quando nível de água os mataria e verde para níveis que não os matam. Eles estão, portanto, melhor equipados para sobreviver.
“A evolução seleciona impiedosamente contra a estratégia da verdade e em favor da estratégia da recompensa”, escreve Hoffman. “Um organismo que vê a realidade objetiva é sempre menos adequado do que um organismo de igual complexidade que vê recompensas de adequação. Ver a realidade objetiva o levará a extinção”.
Já que os humanos não estão extintos, a simulação sugere que vemos uma aproximação da realidade que nos mostra o que precisamos ver, e não as coisas como realmente são.
Facilitando a sobrevivência
Para explicar melhor como isso funciona, Hoffman usa o exemplo de um escritor que, olhando para o seu computador, vê o ícone do arquivo do seu livro. Apesar de estar ali, na tela, verde e retangular, o documento não tem nenhuma destas características intrinsecamente. O arquivo é, na realidade, uma série complexa de 1s e 0s que se manifesta como um software funcionando a partir de uma corrente elétrica que passa por um circuito.
Assim, o argumento é de que se escritores tivessem que manipular sistemas binários para escrever um livro – ou caçadores-coletores tivessem que perceber a física para arremessar uma lança – há chances de que eles tivessem sido extintos há muito tempo.
“Da mesma maneira, nós criamos uma maçã quando olhamos, e a destruímos quando olhamos para outro lado. Algo existe quando não olhamos, mas não é uma maçã, e provavelmente não é nada parecido com uma maçã”, escreve Hoffman. Isso porque humanos percebem uma maçã a partir de uma estrutura de dados que indica algo comestível (estratégia de recompensa) e como comê-lo. “Nós criamos essas estruturas de dados com uma olhada e as apagamos com um piscar de olhos. Objetos físicos e de fato espaço e tempo em que eles existem, são a forma da evolução de apresentar estratégias de recompensa de uma forma compacta e utilizável”.
Se você – inevitavelmente – entrou em um fluxo de pensamento parecido com “Mas, então, o que é a realidade? Esse prato de macarrão é nada mais do que uma estrutura de dados que me dá energia para continuar viva? Meu cachorro existe além de algo que me dá segurança e me faz sentir menos sozinha?” talvez esteja se perguntando, também, o que está debaixo disso tudo. Para Hoffman, a resposta é a nossa consciência.
Se Hoffman estiver correto, a forma pela qual neurocientistas e filósofos desenvolvem teorias sobre consciência – analisando o cérebro – pode ser falha. Isso porque, olhando apenas para as atividades cerebrais, eles estariam vendo apenas um ícone de um órgão material que existe no espaço e no tempo. Não a realidade.
O psicólogo propõe partir de uma teoria matemática da consciência, observando-a fora da matéria e do espaço-tempo que ela pode não habitar. Seguindo a sua lógica, poderia haver uma interação potencialmente infinita de agentes conscientes, dos simples aos complexos, podendo existir até mesmo além do mundo orgânico.
“Estou negando que exista tal coisa na realidade objetiva como um elétron com uma posição. Estou dizendo que a própria estrutura de espaço e tempo e matéria e spin é a estrutura errada, é a linguagem errada para descrever a realidade”, explicou Hoffman, em entrevista ao jornalista Robert Wright. “Eu estou dizendo vamos até o fim: é consciência, e apenas consciência, [em todos os estágios]”.
O pesquisador batizou essa visão de “realismo consciente”. Ele acredita que, se isso se provar correto, poderia haver avanços em dilemas como o problema mente-corpo, a natureza do mundo quântico e a tão procurada “teoria de tudo”. “A realidade pode nunca mais ser a mesma”, escreve.
Apenas uma hipótese
Ainda que seja fascinante, possa provocar todo tipo de questionamentos e pareça um ótimo tema para uma conversa de bar, é importante lembrar que essa proposta é somente uma hipótese. Ela ainda precisa se desenvolver até conseguir superar a hipótese de que o cérebro manifesta a consciência e Hoffman já recebeu críticas – como é natural no processo científico.
Já em 2015, o escritor e historiador de ciência Michael Shermer, fundador da Sociedade dos Céticos (em inglês, The Skeptics Society), mostrava buracos nessa lógica, em um artigo na revista “Scientific American”. Ele argumenta que, ainda que nós não vejamos a realidade como ela é, isso não quer dizer que a nossa percepção não é razoavelmente precisa.
Ainda que, segundo a hipótese de Hoffman, uma cobra não seja realmente uma cobra, mas sim um ícone que a representa, cobras não venenosas evoluíram colorações que imitam as colorações de serpentes venenosas. E por que isso aconteceu? Porque predadores evitam as cobras venenosas reais. “O mimetismo só funciona se houver uma realidade objetiva para imitar”, aponta Shermer.
Além disso, Wright pondera, durante a sua conversa com o psicólogo, que existe um problema semelhante ao do ovo e da galinha (“quem veio primeiro?”). Já que, atualmente, as evidências apontam que o Universo existiu por bilhões de anos antes do surgimento da vida, isso quer dizer que os primeiros organismos vivos se desenvolveram em resposta ao um ambiente inorgânico e inconsciente.
No entanto, se Hoffman estiver correto e a consciência não depender da vida, por que desenvolver a vida e a ilusão da realidade? Pode-se presumir que a rede de consciência estaria funcionando bem por todos esses bilhões de anos antes do surgimento da vida.
“A hipótese de que o cérebro cria consciência, no entanto, tem muito mais evidências do que a hipótese de que a consciência cria o cérebro”, afirma Shermer em outro artigo. “Até onde eu sei, todas as evidências apontam na direção de que cérebros causam a mente, mas nenhuma evidência indica causalidade reversa”.
Para o escritor, como a consciência é um problema científico difícil, é preciso dar mais tempo à hipótese de que os cérebros criam a mente antes de elevarmos a consciência ao nível de um agente independente, capaz de criar sua própria realidade. “Como sabemos com certeza que a consciência mensurável morre quando o cérebro morre, até que se prove o contrário, a hipótese padrão deve ser que o cérebro causa a consciência. Eu existo, portanto penso”.
Há, ainda, a questão de saber se a hipótese de Hoffman é autodestrutiva. Se as nossas percepções de realidade são apenas interfaces específicas a cada espécie sobrepostas à realidade, como sabemos que a consciência não é apenas um ícone? O “eu” da experiência cotidiana poderia ser apenas uma fantasia útil, adaptada apenas para se beneficiar da sobrevivência e reprodução dos genes, não uma parte do sistema operacional da realidade.
Tais desafios à hipótese de Hoffman podem ser testados, por ele e por outros, por meio de mais pesquisas.
A pessoa de quem a mão eu acabei de apertar deve existir, já que eu senti a textura e o calor da sua pele, consigo vê-la na minha frente e ouvi-la me comprimentando. Da mesma maneira, ao comer um pedaço de melancia entendemos que ele existe porque conseguimos sentir o gosto doce na boca e o suco escorrendo pelos dedos.
Quando nossos sentidos não dão conta de absorver o que nos cerca, preenchemos as lacunas da realidade com o raciocínio e o conhecimento. À noite, sabemos que o sol não deixou de existir simplesmente porque não está aparecendo. Assim como entendemos que alguém não desaparece simplesmente porque desligamos o telefone e deixamos de ouvir a sua voz.
No entanto, o psicólogo comportamental e escritor Donald Hoffman acredita que não compreendemos direito a nossa relação com a realidade objetiva. Ele defende que, para nos proteger, a evolução nos envolveu em uma realidade virtual perceptiva.
Realidades objetiva e subjetiva
Em um edição recente da revista “New Scientist”, Hoffman discute esse tema no arigo “A realidade é real? Como a evolução nos cega para a verdade sobre o mundo”. Professor do departamento de Ciências Cognitivas da Universidade da Califórnia, Irvine, ele estuda consciência, percepção visual e psicologia evolucionária usando modelos matemáticos e experimentos psicossociais.
“Enquanto estamos vivos […], nossas experiências conscientes constituem um tipo diferente de realidade, uma realidade subjetiva. Minha experiência de uma enxaqueca pesada é certamente real para mim, mas ela não existiria se eu não existisse”, escreve.
O pesquisador explica que a relação entre o mundo dentro e fora da nossa mente – a realidade objetiva e subjetiva – se baseia em acreditarmos que a primeira não muda em função da segunda. “Minha experiência visual de uma cereja vermelha se desvanece para uma experiência de cinza quando fecho meus olhos. A realidade objetiva, presumo, também não se desvanece em cinza”. Nós asumimos que, já que estamos vendo uma cereja, ela é real, sua cor coincide com a experiência que estamos tendo e ela continua a existir quando deixamos de olhar para ela.
No entanto, segundo o pesquisador, ainda que essa suposição seja fundamental para a maneira como pensamos sobre nós mesmos e o mundo, experimentos feitos por ele e seus colegas mostram que ela não é válida. Ou seja, a nossa percepção sensorial, desenvolvida pela evolução, pode estar fazendo com que entendamos a realidade de maneira errada. “Isso leva a uma conclusão louca, de que todos nós podemos ser tomados por uma ilusão coletiva sobre a natureza do mundo material”, afirma o especialista.
A ideia de que nós não conseguimos perceber a realidade objetiva em sua totalidade não é nova. Ao mesmo tempo que todos têm seus próprios vieses cognitivos e mecanismos de defesa do ego, nossos sentidos podem ser enganados – seja por ilusionistas ou por miragens. Além disso, para cada pessoa que enxerga o vestido azul, outra o enxerga dourado.
A hipótese de Hoffman, no entanto, leva isso mais longe, afirmando que nossas percepções não se aproximam nem um pouco da realidade. Na verdade, a evolução teria nos dado uma ilusão coletiva para melhorar nossas adequações.
Usando a teoria dos jogos evolutiva, o grupo de pesquisadores criou simulações de computador para observar como as “estratégias da verdade” (que vêem a realidade objetiva como ela é) em comparação com as “estratégias de recompensa” (que se concentram no valor da sobrevivência).
Nas simulações, os organismos estão em um ambiente com um recurso necessário à sobrevivência, mas seguindo o princípio de Cachinhos Dourados. Na história infantil, uma garotinha chamada Cachinhos Dourados prova três pratos diferentes de mingau: um quente demais, um frio demais e um nem frio, nem quente demais, mas na temperatura ideal.
Podemos pensar, por exemplo, na água seguindo esse mesmo princípio. Com água demais, o organismo se afoga. Com pouca água, morre de sede. Entre esses extremos, o organismo sacia sua sede e vive.
Os organismos da estratégia da verdade, que enxergam o nível da água em uma escala de cores – de vermelho, para um nível baixo, até o verde, para um nível alto alto – vêem a realidade do nível da água. No entanto, eles não sabem se o nível da água é alto o suficiente para matá-los. Os organismos da estratégias de recompensa, por outro lado, simplesmente vêem vermelho quando nível de água os mataria e verde para níveis que não os matam. Eles estão, portanto, melhor equipados para sobreviver.
“A evolução seleciona impiedosamente contra a estratégia da verdade e em favor da estratégia da recompensa”, escreve Hoffman. “Um organismo que vê a realidade objetiva é sempre menos adequado do que um organismo de igual complexidade que vê recompensas de adequação. Ver a realidade objetiva o levará a extinção”.
Já que os humanos não estão extintos, a simulação sugere que vemos uma aproximação da realidade que nos mostra o que precisamos ver, e não as coisas como realmente são.
Facilitando a sobrevivência
Para explicar melhor como isso funciona, Hoffman usa o exemplo de um escritor que, olhando para o seu computador, vê o ícone do arquivo do seu livro. Apesar de estar ali, na tela, verde e retangular, o documento não tem nenhuma destas características intrinsecamente. O arquivo é, na realidade, uma série complexa de 1s e 0s que se manifesta como um software funcionando a partir de uma corrente elétrica que passa por um circuito.
Assim, o argumento é de que se escritores tivessem que manipular sistemas binários para escrever um livro – ou caçadores-coletores tivessem que perceber a física para arremessar uma lança – há chances de que eles tivessem sido extintos há muito tempo.
“Da mesma maneira, nós criamos uma maçã quando olhamos, e a destruímos quando olhamos para outro lado. Algo existe quando não olhamos, mas não é uma maçã, e provavelmente não é nada parecido com uma maçã”, escreve Hoffman. Isso porque humanos percebem uma maçã a partir de uma estrutura de dados que indica algo comestível (estratégia de recompensa) e como comê-lo. “Nós criamos essas estruturas de dados com uma olhada e as apagamos com um piscar de olhos. Objetos físicos e de fato espaço e tempo em que eles existem, são a forma da evolução de apresentar estratégias de recompensa de uma forma compacta e utilizável”.
Se você – inevitavelmente – entrou em um fluxo de pensamento parecido com “Mas, então, o que é a realidade? Esse prato de macarrão é nada mais do que uma estrutura de dados que me dá energia para continuar viva? Meu cachorro existe além de algo que me dá segurança e me faz sentir menos sozinha?” talvez esteja se perguntando, também, o que está debaixo disso tudo. Para Hoffman, a resposta é a nossa consciência.
Se Hoffman estiver correto, a forma pela qual neurocientistas e filósofos desenvolvem teorias sobre consciência – analisando o cérebro – pode ser falha. Isso porque, olhando apenas para as atividades cerebrais, eles estariam vendo apenas um ícone de um órgão material que existe no espaço e no tempo. Não a realidade.
O psicólogo propõe partir de uma teoria matemática da consciência, observando-a fora da matéria e do espaço-tempo que ela pode não habitar. Seguindo a sua lógica, poderia haver uma interação potencialmente infinita de agentes conscientes, dos simples aos complexos, podendo existir até mesmo além do mundo orgânico.
“Estou negando que exista tal coisa na realidade objetiva como um elétron com uma posição. Estou dizendo que a própria estrutura de espaço e tempo e matéria e spin é a estrutura errada, é a linguagem errada para descrever a realidade”, explicou Hoffman, em entrevista ao jornalista Robert Wright. “Eu estou dizendo vamos até o fim: é consciência, e apenas consciência, [em todos os estágios]”.
O pesquisador batizou essa visão de “realismo consciente”. Ele acredita que, se isso se provar correto, poderia haver avanços em dilemas como o problema mente-corpo, a natureza do mundo quântico e a tão procurada “teoria de tudo”. “A realidade pode nunca mais ser a mesma”, escreve.
Apenas uma hipótese
Ainda que seja fascinante, possa provocar todo tipo de questionamentos e pareça um ótimo tema para uma conversa de bar, é importante lembrar que essa proposta é somente uma hipótese. Ela ainda precisa se desenvolver até conseguir superar a hipótese de que o cérebro manifesta a consciência e Hoffman já recebeu críticas – como é natural no processo científico.
Já em 2015, o escritor e historiador de ciência Michael Shermer, fundador da Sociedade dos Céticos (em inglês, The Skeptics Society), mostrava buracos nessa lógica, em um artigo na revista “Scientific American”. Ele argumenta que, ainda que nós não vejamos a realidade como ela é, isso não quer dizer que a nossa percepção não é razoavelmente precisa.
Ainda que, segundo a hipótese de Hoffman, uma cobra não seja realmente uma cobra, mas sim um ícone que a representa, cobras não venenosas evoluíram colorações que imitam as colorações de serpentes venenosas. E por que isso aconteceu? Porque predadores evitam as cobras venenosas reais. “O mimetismo só funciona se houver uma realidade objetiva para imitar”, aponta Shermer.
Além disso, Wright pondera, durante a sua conversa com o psicólogo, que existe um problema semelhante ao do ovo e da galinha (“quem veio primeiro?”). Já que, atualmente, as evidências apontam que o Universo existiu por bilhões de anos antes do surgimento da vida, isso quer dizer que os primeiros organismos vivos se desenvolveram em resposta ao um ambiente inorgânico e inconsciente.
No entanto, se Hoffman estiver correto e a consciência não depender da vida, por que desenvolver a vida e a ilusão da realidade? Pode-se presumir que a rede de consciência estaria funcionando bem por todos esses bilhões de anos antes do surgimento da vida.
“A hipótese de que o cérebro cria consciência, no entanto, tem muito mais evidências do que a hipótese de que a consciência cria o cérebro”, afirma Shermer em outro artigo. “Até onde eu sei, todas as evidências apontam na direção de que cérebros causam a mente, mas nenhuma evidência indica causalidade reversa”.
Para o escritor, como a consciência é um problema científico difícil, é preciso dar mais tempo à hipótese de que os cérebros criam a mente antes de elevarmos a consciência ao nível de um agente independente, capaz de criar sua própria realidade. “Como sabemos com certeza que a consciência mensurável morre quando o cérebro morre, até que se prove o contrário, a hipótese padrão deve ser que o cérebro causa a consciência. Eu existo, portanto penso”.
Há, ainda, a questão de saber se a hipótese de Hoffman é autodestrutiva. Se as nossas percepções de realidade são apenas interfaces específicas a cada espécie sobrepostas à realidade, como sabemos que a consciência não é apenas um ícone? O “eu” da experiência cotidiana poderia ser apenas uma fantasia útil, adaptada apenas para se beneficiar da sobrevivência e reprodução dos genes, não uma parte do sistema operacional da realidade.
Tais desafios à hipótese de Hoffman podem ser testados, por ele e por outros, por meio de mais pesquisas.
Créditos: New Scientist, Scientific America
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